21 de maio de 2009

Conversa de buteco

E foi num sonho que eu tive a conversa mais estranha da minha vida.
Andava por uma dessas ruas imundas, procurando qualquer buteco pra encher a cara. Aaah, a vida boêmia! A noite boêmia sondada pela lua. Qualquer trapo sobre o corpo. Documento algum, somente a certeza de “ser”. Cabelos embaraçados pelo vento, embaçando a vista.
O bar “Escória da noite” tem as luzes acesas ainda. Talvez esteja aberto. Entro. Parece estar funcionando. Mas não quero beber sozinha. Há um sujeito estranho na mesa do fundo, perto do banheiro. Que bela mesa para sentar-se: ao lado de um imundo e fétido banheiro. Sento na cadeira de frente pra sua e peço a rodada que será por minha conta. E o diálogo começa:
- Por que bebes caro amigo?
-...
Não há resposta. Percebo que ele está escutando “Hells Bells” e um velho rádio de pilha. Bom, então temos um gosto em comum. Insisto no diálogo.
- Então, tu gosta de AC/DC?
- Não, nem conheço.
- Ué, mas tu ta escutando aí.
- Ah, isso não é Eicidicí. É AC/DC.
- Aah sim, claro. Que tu acha do Black Ice?
- Nunca experimentei. Prefiro Heineken.
Nem sobra tempo para que minha gargalhada ecoe pelo bar, já que o garçom aparece com o uísque.
- Enfim, caro amigo, um brinde ao Rock N’ Roll!
- Cheers!
- Aquela Brasília amarela ali fora é tua?
- É sim.
- Lembra Mamonas Assassinas.
- Ué, fizeram continuação de “tomates assassinos”?
- Não, meu caro, a banda, Mamonas Assassinas. “... minha Brasília amarela tá de portas abertas pra mode a gente se amar...”
- Você está se insinuando pra mim?
- Não! Essa é a letra da música.
- Nunca ouvi.
Putz. Esse cara é uma fria. Mas logo começa a tocar Mago de Oz no seu rádio à pilha e eu desconverso.
- Gosta de Folk metal também?
- Não, é Mago de Oz mesmo.
- Refiro-me ao estilo musical do Mago de Oz, folk metal.
- Ah, não escuto folk metal.
- Ok. Tem Black Sabbath aí nesse teu rádio?
- Não, não. Mandei benzer.
- Tá legal. O que tu acha de Led Zepelin?
- Acho as pinturas dele horríveis. É um artista de muito mau gosto. Não concorda comigo, moça?
- Concordo.
O sangue começa a me subir à cabeça. Minha última tentativa em engatar uma conversa musical com esse cara.
- Tu gosta de Raul Seixas?
- Aquele que canta “Rock das Aranhas”?
- Sim, ele mesmo!
- Nem conheço...
- É, suspeitei desde o princípio.
- Mas e Steppenwolf, tu conhece?
- Nossa, adoro!
Finalmente.
- Então, um eterno fã de “Born to be wild”!
- Ah, não, não. Eu prefiro a 9° Sinfonia dele. Um marco na história da música!
É Beethoven, imbecil. Melhor pular praquelas conversas de buteco mesmo
- Que tu acha do processo de Globalização?
- Ah, é só mais um que vai entrar pros arquivos. Nem sei quem é o juiz que assumiu o caso agora. Tu acha que isso vai pra frente?
- Olha, dependendo do advogado do réu, quem sabe.
Esse cara ta me tirando.
- Mas tu ainda não respondeste o que faz aqui essa noite...
- Minha mulher me botou pra fora de casa.
- Ah sim, claro. Um motivo muito plausível para um cara como você estar sentado na mesa ao lado do banheiro às 3:37 da manhã... Não imaginava que tu fosses casado.
- E não sou mesmo!
- Mas tu me disseste que tua MULHER te botou pra fora de casa!
- Só que isso foi antes dela pedir o divórcio. E desde então eu freqüento o bar da Escória pra esquecer aquela vadia.
- Aaah sim.
- Aquela desgraçada arruinou minha vida.
- Sinto muito. Isto deve ser péssimo.
- Não.
- Como não? Ela estragou tua vida.
- Mas não é ruim não. Agora estou livre dela e daquela mãe dela que fede a naftalina.
- Que bom então!
- Tu diz “que bom”?
- Sim, afinal, agora tu tá livre das duas.
- Quem tu pensa que é pra falar assim delas?
- Ora, desculpe. Pensei que tu não gostasse delas.
- Não gosto. Odeio!
Ser escroto. O ódio por ele está me consumindo.
- Afinal, qual é teu nome?
- Deus!
- Aaah, legal. Tudo que eu queria esta noite era tomar uma com Deus! Ora, vá plantar batatas!
Levantei-me bruscamente da cadeira e fui embora. Já na rua, escuto aquele infeliz gritar:
- Ei moça, a conta!
- Vá tomar no seu cu!
E subitamente desperto ao som do despertador. Mais um dia começa.

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